Opinião
Texto de Carlos Vieira e Castro
A arte do ferro forjado teve um dos seus mais ilustres artífices em Arnaldo Malho, que o seu amigo Aquilino Ribeiro epitetou como “o poeta do ferro”, por ter sabido como poucos transformar o ferro duro e frio em harmoniosas linhas e poéticas volutas e por ter sabido reviver esta arte através do ensino na Escola Comercial e Industrial de Viseu, onde leccionou até 1950, dez anos antes de falecer.
Há cerca de quatro anos foram retirados os candeeiros de ferro forjado da autoria de Mestre Arnaldo Malho que se encontravam no Largo da Misericórdia (um na esquina com a Rua do Arvoredo e outro na esquina virada para o Adro da Sé), quatro nas paredes da Sé (um na esquina da antiga torre de menagem do castelo de Viseu, virado para as escadinhas, outro na esquina virado para o adro, um terceiro na esquina contígua à varanda dos cónegos, e o quarto na parede exterior dos claustros), mas já anteriormente havia sido retirado outro exemplar na fachada do Museu Grão Vasco, aquando das obras da remodelação projectada pelo arquitecto Souto de Moura. Da Igreja da Misericórdia desapareceram outros três exemplares: um na parede lateral virada para o Largo da Misericórdia, retirado há dois anos pela EDP depois de uma forte ventania o ter deixado dependurado pelo fio, e os outros dois que ornavam a fachada, em duas das bandas verticais em cantaria, foram retirados no ano passado aquando das obras de limpeza da pedra.
Aqueles candeeiros, verdadeiras obras-primas da arte
do ferro forjado, eram um dos motivos favoritos de turistas e fotógrafos
que visitavam o centro histórico de Viseu, devido à espectacularidade
da silhueta das linhas retorcidas do ferro recortadas no azul claro do
céu, num primeiro plano, espreitando, ao fundo, as torres da Sé ou da
Misericórdia (ver foto).
Depois do núcleo de Viseu da Associação Olho Vivo ter
perguntado, no seu blog, em Novembro de 2008, pelo paradeiro destes
candeeiros, fiz a pergunta pessoalmente ao senhor presidente da Câmara
Municipal de Viseu, na sessão de Fevereiro deste ano da Assembleia
Municipal. Respondeu-me que estavam espalhados pelo centro histórico e
no “parque de Santa Cristina”. De nada valeu dizer-lhe que estava
enganado. Na sessão de 27 de Junho da Assembleia Municipal apresentei
uma recomendação do Bloco de Esquerda para que os referidos candeeiros
de Mestre Malho fossem recuperados (se é que em 3 ou 4 anos ainda não
tiveram tempo de o ser) e recolocados, tão rápido quanto possível, nas
mais nobres praças do centro histórico. Fernando Ruas insistiu na
resposta anterior, indicando ruas onde estavam colocados. Acontece que
misturou candeeiros sem significativo valor artístico (como os do jardim
de Santa Cristina ou da Quelha da Rua do Bispo) com os candeeiros com
serpentes em ferro forjado nas esquinas da lanterna e uma coroa com
sete, oito ou nove torres, que o Núcleo de Viseu da Olho Vivo salvou de
extinção, em 2001, ao denunciar na comunicação social, a substituição
que a Câmara de Viseu iniciara no centro histórico. Na ocasião, Fernando
Ruas afirmou à RTP que só os retirou para recuperação, após o que os
recolocaria, mas a verdade é que desapareceram até hoje das principais
ruas do centro histórico: Praça D. Duarte, Rua Direita, Rua do Hilário,
Rua D. Duarte, Rua Grão Vasco. Conseguimos que ficassem alguns noutras
ruas e ruelas, mas quando Fernando Ruas vem agora, dez anos depois,
dizer que ainda tem 28 para recuperar e recolocar, só podemos constatar
que enganou os viseenses.
De resto, eu próprio dei a conhecer publicamente, há dez
anos atrás, que descobrira os moldes destes candeeiros na Serralharia
Malho, na rua do Arco, fundada pelo mestre, mas nunca disse que eram da
autoria de Arnaldo Malho, talvez de um seu aluno ou discípulo, já que a
caligrafia artística, o estilo, não tem nada a ver com a obra congénere
que deixou na sua casa da Rua do Arco, ou na antiga Escola Comercial e
Industrial (actual Escola Emídio Navarro). Se Fernando Ruas tem provas
de que estes candeeiros são mesmo de Arnaldo Malho, isso só agrava a
substituição que fez há dez anos.
Fernando Ruas respondeu a “alhos com bugalhos”, estou em
crer que não por má fé, mas por ignorância acerca do património
artístico do seu município. Só não tem desculpa porque a referida
recomendação, para além da descrição e localização, ia acompanhada por
quatro fotografias dos candeeiros da indiscutível autoria do Mestre
Malho.
Muitos viseenses receiam que lhes tenha sido
reservado o mesmo misterioso destino dos antigos portões, também em
ferro forjado, do Mercado 2 de Maio ou dos candeeiros Arte Nova da Rua
do Comércio (artéria caracterizada por aquele estilo arquitectónico),
crime também denunciado há dez anos pela Olho Vivo, retirados depois de
quase oito anos encavalitados por uns matacões (sem qualquer valor
artístico, iguais aos da Rua Direita), após o que foram ambos
substituídos.
Na sessão do passado dia 28 de Setembro, voltei a
questionar Fernando Ruas sobre o paradeiro destes candeeiros, de que não
existe um único exemplar nas ruas de Viseu, chamando a atenção para o
facto de Alberto Correia, director do Museu da Misericórdia, interrogado
por uma jornalista, ter dito que os dois candeeiros retirados da
fachada estavam guardados pela Santa Casa, e que os devolveria ao
município se lhos pedissem. Fernando Ruas só disse que se recusava a
responder, em mais uma demonstração de desrespeito pela Assembleia
Municipal e de desprezo pelos munícipes.
Carlos Vieira e Castro
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