Senhor Presidente da Mesa da AM,
restantes elementos da mesa, senhor Presidente da CMV, senhoras
vereadoras e senhores vereadores, senhores presidentes de juntas de
freguesia, senhor comandante do RIV e restantes convidados, minhas
senhoras e meus senhores,
Antes de mais, permitam-me que dedique
esta intervenção à memória do meu camarada Miguel Portas,
fundador e dirigente do BE, economista, jornalista (fundador da
revista Vida Mundial e de um dos mais inovadores projectos da
história da imprensa em Portugal, o semanário Já, investigador e
divulgador da história dos povos ligados pelo Mediterrâneo, que
faleceu ontem num Hospital de Antuérpia, vítima de cancro de
pulmão, doença que não o impediu de cumprir até ao fim as suas
responsabilidades de deputado europeu (tinha entre mãos o relatório
do Parlamento Europeu sobre as contas do BCE). Mas evocar Miguel
Portas é também honrar o seu passado de lutador anti-fascista,
preso aos 15 anos, no limiar da militância comunista. A ele e a
milhares de outros como ele, devemos nós hoje a liberdade.
Permitam-me ainda que partilhe convosco
a emoção que experimentei ao ouvir a crónica que Miguel Portas
gravou para a Antena 1, em directo da Praça Sintagma, em Atenas,
para onde viajara para ver na Grécia o futuro de Portugal,
armadilhado pela austeridade e pela perda de soberania, e de onde
nos transmitiu este facto extraordinário, que escapara à profusão
de notícias e comentários com que os “media” nos atafulham o
cérebro com informação selectiva: 400 operários de uma fábrica
de produção de aço mantinham-se em greve há 117 dias, em
solidariedade com 65 camaradas despedidos, exigindo a sua readmissão.
À pergunta do eurodeputado como aguentavam 117 dias de greve numa
situação de tamanha austeridade, os operários responderam que só
sobreviviam graças à comida, bens e dinheiro que lhes mandavam os
seus camaradas de outras fábricas metalúrgicas, organizados em
comités de solidariedade. Extraordinário, não é?!... Pois foram
exemplos de solidariedade, tão extraordinários como este, que
fizeram da Revolução de 25 de Abril um período único e
inesquecível na vida de muitos portugueses.
Hoje, a solidariedade, neste sentido de
mobilização colectiva ao serviço da comunidade, passou a ser
considerada subversiva, como prova o triste e inadmissível despejo,
com recurso a desproporcionada força policial, solicitada pelo
autoritário presidente da Câmara do Porto, dos ocupantes da Escola
da Fontinha, abandonada há seis anos, e onde, desde Abril do ano
passado, funcionava um projecto sócio-cultural, com voluntários de
todas as idades, embora jovens na maioria, que depois de limparem e
recuperarem o edifício vandalizado, prestavam apoio a uma
comunidade carenciada, jovens e idosos, com actividades lúdicas e
pedagógicas, tais como ioga, xadrez, capoeira, música, laboratório
de fotografia, teatro, artesanato, aulas de português, espanhol,
alemão e inglês, apoio nos trabalhos de casa das crianças e
preparação de refeições para muitas dezenas de adultos e crianças
retiradas da rua e da fome, graças à solidariedade de mercearias e
comerciantes locais.
Na comemoração de mais um aniversário
do 25 de Abril, ocorre perguntar se terá de ser apenas “mais um”,
como se estivéssemos aqui no cumprimento de um mero ritual em risco
de extinção, poupado, por enquanto, pela transigência de um
governo apostado em cortar não só direitos, salários, subsídios,
pensões, férias, mas também feriados religiosos e civis, mais
destes que daqueles, apesar da laica República.
Há 38 anos, o
golpe militar do MFA, mais não pretendia - e já não era pouco –
do que derrubar a ditadura que transformara Portugal num país
atrasado, analfabeto e amordaçado, para acabar com a guerra
colonial, na iminência de uma derrota que ao fim de 13 anos,
provocou, só do lado português, cerca de 10 mil mortos, 15 mil
deficientes físicos e calcula-se que 100 mil vítimas de stress de
guerra. Mas o povo português, aproveitando o balanço e a brecha na
muralha do Estado, ousou catapultar-se para uma revolução
politica, social e cultural. A Revolução derrubou a ordem social
estabelecida, transformou as força armadas em movimento armado
revolucionário ( ilustrado nas palavras de ordem “Nem mais um só
soldado para as colónias!” e “Soldados sempre, sempre ao lado do
Povo!”), obrigou a Junta de Salvação Nacional a libertar todos os
presos políticos, a extinguir a PIDE (Spínola já tinha nomeado um
novo Director-Geral) e a consumar a descolonização ao fim de 500
anos de escravatura e colonialismo saqueador e racista.
O povo português,
com o apoio dos “filhos do povo fardados”, derrotou os golpes
contra-revolucionários da direita e extrema-direita spínolista a 28
de Setembro de 1974 e 11 de Março de 1975. Spínola foge para a
Suíça de onde é expulso por armar e organizar os bombistas do
MDLP, que espalharam terror e morte de Norte e Sul de Portugal. Mas o
grande capital, que sempre vivera da protecção do Estado, assustado
com as nacionalizações e a Reforma Agrária, com o apoio da CIA
(foi o Imperialismo Americano que vendeu o Napalm e outras armas
químicas e biológicas, testemunhadas pelo General Costa Gomes, com
que a ditadura salazarista massacrou as populações africanas) e da
social-democracia europeia (aliada dos EUA e da ditadura de Salazar e
Caetano na NATO), cuja missão histórica era servir de tampão ao
avanço das ideias socialistas (a prova é que mal o mundo passou a
ser dominado por um só imperialismo, logo a maioria dos
sociais-democratas se passaram com armas e bagagens para o campo do
liberalismo), conseguiu armadilhar um golpe de Estado a 25 de
Novembro que levaria à prisão de centenas de militares de Abril
(como Mário Tomé, Otelo, Campos de Andrada) e poria fim à
Revolução ao fim de uns longos 600 dias.
A partir daí foi
o que se viu: a transformação paulatina de Portugal no pais com os
pobres mais pobres e os ricos mais ricos da Europa. Uma “elite”
política que se alterna no poder, num novo “rotativismo” gerador
de corrupção, uma Justiça cega e paralítica, velhos e novos
capitalistas que mamaram e desbarataram os fundos europeus em vez de
os aplicarem no desenvolvimento sustentado do país.
Mas as conquistas
daquele ano e meio de Revolução resistem com dificuldade aos
ataques mais ferozes desde o 25 de Abril. A começar pelo programa
mínimo: “A paz, o pão, /habitação/, saúde, educação”, como
dizia o Sérgio Godinho na canção “Liberdade”. O pão volta a
faltar, como testemunham as instituições de solidariedade social,
laicas e religiosas, que já não conseguem matar a fome a tanta
gente; a habitação começa a ser difícil de pagar, com as
famílias, entaladas entre o desemprego e o corte de salários,
subsídios e pensões, a entregar as casas aos bancos, a quem ainda
ficam a dever, pasme-se!; a Educação volta a ser para os ricos,
com milhares de estudantes a abandonarem o Ensino Superior (100 por
dia, dizia uma reportagem televisiva); o Serviço Nacional de Saúde,
uma das mais bem conseguidas conquistas de Abril, continua a ser
desmantelado por este governo, como denunciou o seu “criador”
António Arnault, em recente entrevista televisiva, onde reconheceu
iguais responsabilidades a ministros ditos socialistas). O ministro
da Solidariedade e da Segurança Social, Pedro Mota Soares, tentou
pôr uma bomba ao retardador na Segurança Social, com mais uma
tentativa de tecto contributivo, mas até Bagão Félix e Manuela
Ferreira Leite tiveram medo dos estilhaços sociais, e o ministro
recuou.
A Revolução
popular alcançou outras conquistas, algumas garantidas na
Constituição, como o salário mínimo nacional, descanso semanal,
férias pagas, liberdade sindical, direito à greve, proibição de
despedimentos sem justa causa, direito à segurança social, a
igualdade dos sexos na lei, o direito ao divórcio civil para os
católicos casados, a não discriminação por razões de género, de
etnia, de religião, de sexo, território de origem ou orientação
sexual.
A Paz. Essa não
falta. Temos paz social, já que o povo é sereno e de brandos
costumes. Desde que os jornalistas não se metam pelo meio, sobretudo
os estrangeiros (que são mais difíceis de controlar) a policia de
choque trata de meter o povo no redil, como antes de Abril. Basta
identificar os jornalistas, que estão a trabalhar. Os restantes não
estão a trabalhar, logo, só podem ser malandros ou suspeitos.
Quanto à paz
propriamente dita, a militar, também a temos. Pelo menos dentro de
casa. Mas é demasiada responsabilidade para ser deixada apenas aos
militares, da mesma forma que a politica é demasiado importante para
ser deixada apenas aos políticos. Daí a necessidade de todos os
cidadãos intervirem mais ou menos activamente na politica. Para
defenderem os seus direitos sociais e para garantir a paz. Para que
os militares não se vejam obrigados pelos políticos a fazer a
guerra fora de portas, como aconteceu com a invasão do Iraque, a
partir da mentira armadilhada das armas de destruição massiva de
Saddam, quando foram os EUA e o RU que usaram armas proibidas e de
destruição massiva, como o fósforo branco, no bombardeamento de
cidades como Falluja, massacrando milhares de homens, mulheres e
crianças inocentes.
O Serviço Militar
Obrigatório instituído pela revolução francesa como exercício de
cidadania, levou os cidadãos soldados a esmagarem os seus irmãos da
Comuna de Paris, primeira experiência efémera de poder exercido
directamente pelo povo e a servirem de carne para canhão nas
invasões napoleónicas dos outros povos da Europa. As forças
armadas profissionalizadas, constituídas por voluntários, foi a
alternativa à justa abolição do SMO. Mas corre-se o risco de se
transformarem num exército de mercenários ao serviço de poder
politico menos democrático ou de estratégias imperialistas como
aconteceu com a NATO ? Nos EUA, onde em 2008, houve 140 militares no
activo que se suicidaram, têm aumentado os exércitos privados de
mercenários (120 mil soldados privados no Iraque) . Mais uma vez a
resposta está na democracia. No controlo democrático das Forças
Armadas pelos órgãos do poder representativo e da participação
popular nas decisões do poder (democracia participativa).
Há ainda uma
última instancia: a consciência de cada um. O direito de dizer não
à injustiça e à prepotência. O dever de desobedecer. Como fez o
cônsul Aristides de Sousa Mendes, beirão de Cabanas de Viriato, que
salvou milhares de judeus e outros perseguidos pelos nazis, ao
decidir desobedecer a ordens expressas de Salazar, que lhe instaurou
um processo e o condenou à aposentação forçada e à miséria da
sua numerosa família, que teve de recorrer à sopa dos pobres, em
Lisboa.
Em Israel este
dever de desobedecer tem feito aumentar o movimento de “refuseniks”
(em hebraico “aquele que recusa”). A maioria são jovens
objectores de consciência que aceitam pegar em armas para defender o
seu país, mas não para cumprir o serviço militar obrigatório nos
territórios ocupados em atentados aos direitos humanos dos civis
palestinianos. Como têm de efectuar um período de reserva
anualmente, os homens até aos 45 anos e as mulheres até aos 24
anos, são presos consecutivamente.
Talvez não
estivéssemos hoje a comemorar o 25 de Abril se um soldado
desconhecido, ou quase, o aspirante Sottomayor, não tivesse
desobedecido ao coronel que comandava os tanques de Cavalaria 7 que
no Terreiro do Paço barrava o caminho à coluna de Salgueiro Maia,
retirando o percutor da peça, tornando assim inútil a ordem de
disparar sobre os heróis de Abril.
O 25 de Abril
também se deveu à luta de milhares de desertores e mercenários da
guerra colonial que, segundo dados do Estado-Maior do Exército,
divulgados em 1988, foram sendo cada vez mais ao longo da guerra,
sendo de 11,6% em 1961 e de 21% em 1972. Outros cálculos apontam
para quase um terço dos jovens em idade militar, que foram, correndo
risco de vida ou de prisão, engrossar a corrente migratória
clandestina para França, Alemanha e outros países.
Hoje, a
importância de comemorar o 25 de Abril já não é tanto o lembrar a
luta pelo Socialismo que todos os partidos (excepto o CDS) votaram
na Assembleia Constituinte, mas mais recuperar a memória da luta
colectiva pela mais ampla democracia, representativa e participativa,
num país onde o governo, com as costas quentes pela Troika, ousa
defender e pôr em prática a suspensão temporária da Constituição
e da Democracia e insiste em reduzir o Poder Local, extinguindo ou
agregando freguesias, as autarquias de maior proximidade (a que
seguirão os municípios) impondo soluções à revelia da vontade
dos autarcas e das populações.
\25 de Abril,
Sempre! Governos da Troika nunca mais!
Carlos Vieira e
Castro
(deputado
municipal do Bloco de Esquerda)