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COLÓQUIO SOBRE HISTÓRIA E CULTURA JUDAICA LANÇA DÚVIDAS SOBRE A LOCALIZAÇÃO DA SINAGOGA
07-Mar-2009
Promovido
pela Câmara Municipal, o Colóquio sobre História e Cultura Judaica reuniu mais
de centena e meia de pessoas (muitas vindas de fora) no Auditório Mirita Casimiro,
no passado dia 14.
Segundo
Henrique Almeida, coordenador do Colóquio, o presidente da autarquia pediu
celeridade no processo de musealização da Sinagoga. Talvez a proximidade das
eleições autárquicas não seja alheia a tamanha urgência. Mais avisado seria,
porém, começar por fazer um levantamento mais aprofundado da herança cultural
judaica, patente, ainda hoje, na arquitectura (janelas altas, em estilo de
frestas com um ferro ao meio ao alto, de modo a que entrasse a luz, mas impedisse
conversas para a rua); na toponímia; na
música (não só nas belíssimas canções e coplas de tradição sefardita, mas
também no melodismo floreado das “Aleluias”); e na nossa própria carga genética
(um recente estudo científico internacional concluiu que 25% dos portugueses do
Norte – e 35% no Sul – têm genes judeus sefarditas, enquanto a ascendência
norte-africana é apenas de 10% e 15%, respectivamente). Desafiar os
investigadores a aprofundarem os seus estudos e a debaterem as suas ideias
antes de avançar a todo o vapor com a compra da casa da antiga Papelaria Dias,
onde Isabel Monteiro situou a sinagoga de Viseu, teria sido mais prudente.
A
investigadora viseense Isabel Monteiro, na revista Monumentos nº 13 / Setembro
de 2000, num artigo sobre “A Judiaria de Viseu”, identifica a Sinagoga com
aquela casa quatrocentista,no
cruzamento da Rua Direita com a Rua da Árvore, baseada em documentos dos
séculos XV que referem a venda e o aluguer de casas “perto da Sinagoga”, ou “na
rua que vai para a Sinagoga” e “em 1502, Álvaro Rodrigues, cónego, aluga umas
casas na Rua Nova, que foram Judiaria outras que foram Sinagoga”, embora
reconheça não ter encontrado, na documentação consultada, notícia dos seus
proprietários nos séculos XVII e XVIII.
Maria
José Ferro Tavares, professora catedrática em História Medieval, doutorada com
a tese “Os Judeus em Portugal no século XV”, tem dedicado boa parte das suas
investigações à história dos judeus em Portugal e à Inquisição portuguesa.
Sendo, portanto, uma das maiores especialistas na matéria e tendo já feito o
levantamento das judiarias existentes em Portugal seria de supor que as dúvidas
que manifestou na sua comunicação no Colóquio, relativamente à localização
exacta da Sinagoga, merecessem um melhor acolhimento, nomeadamente por parte da
comunicação social, que não se lhe referiu. Para esta investigadora a Sinagoga
deveria situar-se na Rua Senhora da Boa Morte, numa casa com cinco confrontações,
junto a um beco, porque, por norma, ficava no centro da Judiaria e nunca na Rua
Direita, onde tradicionalmente moravam as elites, que já estaria fora da Judiaria. Maria José
Tavares duvida que a Rua Direita seja a Rua das Tendas, uma vez que há
documentos coevos que citam as duas ruas,e chamou ainda a atenção para o facto de a “rua que vai para a Sinagoga”
não ser o mesmo que “rua da Sinagoga”. Discordou também com a identificação da
Rua da Triparia com a Rua das Ameias (feita por Isabel Monteiro) com o
argumento de que, pela própria natureza do comércio de carnes (com escorrências
e odores) normalmente ficaria numa rua mais periférica E lançou o desafio: “É necessário fazer prospecções
arqueológicas nestes espaços”.
Naturalmente
que polémicas como esta, deveriam ser, elas próprias, um desafio para
historiadores e arqueólogos e deveriam ser aproveitadas pelo poder autárquico
para envolver os cidadãos no estudo e na recuperação da memória colectiva da
cidade. Por isso, houve quem achasse de mau gosto a intervenção do vereador da
Cultura quando, no final do colóquio, disse: “A festa vai continuar, mesmo que
alguns a quisessem estragar. Não nos interessa muito se ali era a Sinagoga ou
não; isso é um problema dos historiadores”.
Claro
que nos interessa saber se ali era a Sinagoga ou não! Em qualquer dos casos, a
casa quatrocentista, talvez a mais antiga da cidade, ficará muito bem como
núcleo museológico dedicado à memória judaica.
Para além da polémica, surpreendeu a
comunicação de Teresa Cordeiro, Mestre em História Ibero-Americana, com o
trabalho “Adonai nos Cárceres da inquisição ou Gente da Nação na Cidade de
Viseu”, professora na Escola Secundária Emídio Navarro, pela fluidez coloquial
da linguagem, ao abordar o contributo que os cristãos-novos deram à
prosperidade de Viseu quinhentista e à decadência que a cidade sofreu no final
do século XVI, quando os marranos se viram obrigados a fugir para escapar à
perseguição, ao escárnio público, à expropriação de bens, àstorturas e as fogueiras do Santo Oficio. Os
exemplos que apontou de casos de denúncias de vizinhos e familiares, incluindo
pais e filhos, única forma de obter o perdão e a reconciliação, ilustraram de
forma expressiva a “realidade recalcada” da Inquisição, de que falava Eduardo
Lourençoao chamar-nos a atenção para o
facto de, à semelhança do que aconteceu com a escravatura – “salvas contadas
excepções - só ter perturbado as almas delicadas quando acabou”, ficando por
“exorcizar o perfume de morte que dois séculos depois, para olfactos sensíveis,
ainda flutua na doce paisagem portuguesa”.
Sintomaticamente,
um ilustre representante do clero viseenses, presente no colóquio, perguntou
qual a percentagem de condenados, numa tentativa de relativizar o terror inquisitorial.
Mas a resposta já tinha sido dada por Cecil Roth na sua “História dos Marranos”:
“Na Inquisição Portuguesa, o número de condenações chegou bem acima dos três
quartos do total dos casos julgados”.
Segundo
Cecil Roth foi “um suborno magnificente da Sé arquiepiscopal de Viseu que
venceu a oposição do papa” à existência de “uma Inquisição livre e sem
obstáculos em Portugal”, que acabaria por culminar, em 1579, no poder de
confiscar bens dos judeus, uma das armas mais letais do Santo Oficio, um
convite perpétuo à perseguição contra os cristãos-novos.
Como
é que um povo que passou pela diáspora, pela Inquisição, pelos guetos e pelo
holocausto nazi pode reproduzir nos dias de hoje, os mesmos abusos (ainda que
em escalas diferentes) sobre o povo da Palestina, foi a questão (sociológica) que
Esther Mucznik, vice-presidente da comunidade israelita em Portugal, se furtou
a responder no Colóquio, a pretexto de não falar de política (como se tivesse
falado de outra coisa ao referir-se à criação do Estado de Israel e ao defender
o sionismo) e apesar da sua qualidade de socióloga. O Holocausto, antes de ser
História, foi Política. Se o tempo do historiador é diferente do tempo do
sociólogo, como diz F. Braudel, só a unidade das ciências sociais, por ele
preconizada, pode levar ao avanço da investigação e impedir o “recalcamento na
história” de que também fala Jacques Le
Goff, ao comparar o papel actual das massas com o que tinha na Idade Média: “um
povo assustado que assiste às fogueiras” e que só se movimenta perigosamente atrás das heresias. Não se pode
reflectir sobre as “heresias” no Carnaval de Torres Vedras ou do livro
apreendido pela PSP em Braga (como já tinha acontecido, em 2004, com outro
livro numa livraria de Viseu) sem se pensar nas consequências do medo e da
delação promovida pela Inquisição ( abolida no século XIX !),e do mais recente meio século de bufaria e repressão
pidesca, na sociedade portuguesa.