Foram 9 as iniciativas legislativas discutidas na sessão final dos Estudantes por Empréstimo, correspondentes às principais preocupações surgidas nas várias apresentações de Teatro Legislativo que fizemos.
Elas incidiram sobre um novo regime de atribuição de bolsas, sobre funcionamento dos serviços de acção social, sobre financiamento e propinas, sobre o fim do segredo bancário, sobre a presença dos bancos nas instituições de ensino superior, sobre gestão democrática e sobre acesso dos estudantes do ensino superior a computadores. As 3 propostas consideradas mais relevantes foram a do novo regime de bolsas (com 63 votos), a do fim das propinas (com 52 votos) e a do fim do segredo bancário (com 44 votos). As restantes propostas mais votadas foram a da gestão democrática (29 votos) e a da redução das propinas (20). As perguntas sobre os cartões de estudantes serão entregues e não fizeram parte da votação final, pela sua natureza.
Deixamos aqui um resumo das ideias das 3 propostas consideradas mais relevantes
1. Novo regime de atribuição de bolsas
No que diz respeito ao regime de atribuição de bolsas de estudo, a
proposta apresentada pelo Bloco pretende (i) consagrar uma maior
uniformidade de normas a aplicar pelas instituições de ensino superior,
evitando as situações de discricionariedade e tratamento desigual de
casos semelhantes; (ii) alargar a base de potenciais beneficiários de
acção social no ensino superior, actualizando o conceito de estudante
economicamente carenciado dos actuais 1,2XRMMG, o que equivale a uma
capitação por elemento do agregado até 540 €, e que é um valor
visivelmente insuficiente e desfasado da realidade, para 1,4XRMMG, o que
equivale a uma capitação até 630 € por cada elemento do agregado; (iii)
instituir uma fórmula de cálculo de bolsa com uma filosofia diferente
da que existe, baseada não em escalões, mas num modelo linear e contínuo
que estabelece um mínimo que cada estudante deve ter para poder cobrir
as despesas relacionadas com a frequência do Ensino Superior; (iv)
eliminar as limitações que decorrem de um entendimento restritivo de
agregado familiar do estudante, bem como restrições em matéria de acesso
de estudantes imigrantes à acção social no ensino superior; (v)
garantir que se combatem os atrasos constantes na atribuição das bolsas,
definindo um prazo máximo de um mês e penalizações para o Estado sob a
forma de juros caso se verifiquem atrasos; (vi) estabelecer critérios
claros na definição do conceito de “aproveitamento mínimo”; (vii)
simplificar os processos de candidatura, através da declaração de honra e
da confirmação da informação aí integrada pelos serviços oficiais da
administração pública (designadamente a Administração Fiscal e Segurança
Social), retirando do estudante a carga de recolha de dezenas de
declarações que confirmam informação de que o Estado já dispõe e da
atribuição da bolsa por um ciclo de estudos, com obrigatoriedade da
entrega, por parte do aluno, dos dados referentes à alteração da sua
situação económica, podendo os serviços fazer por sua iniciativa
verificações anuais; (ix) acabar com as taxas cobradas para efeitos de
revisão do processo de atribuição de bolsa, estabelecendo que os
candidatos têm direito a solicitar a revisão da bolsa uma vez sem lugar
ao pagamento de quaisquer penalizações.
2. Fim das propinas
Relativamente ao financiamento, as propinas em Portugal chegaram com o
Governo de Aníbal Cavaco Silva, em 1992. Até esta data, o ensino
superior público no Portugal democrático não cobrava qualquer taxa de
frequência aos seus estudantes. Aliás, um sistema de ensino público
isento de propinas é o que existe em muitos países europeus que, muitas
vezes, são utilizados como modelos para o nosso país. De entre estes
países encontramos a Dinamarca, a Finlândia, a Noruega, a Suécia, a
República Checa, a Grécia, a Eslováquia, o Luxemburgo, a Islândia, o
Chipre, Malta e Escócia. França aplica uma taxa de inscrição que cobre
serviços de saúde e administrativos. Dos 16 estados alemães, apenas 6
cobram propinas.
A fixação de propinas decorre duma escolha política. Não se trata nem de
uma opção inevitável, e nem disso deve nem pode depender a
sobrevivência dum sistema de ensino superior público. Noutros serviços
públicos, tem havido um recuo em relação à cobrança de taxas aos seus
utentes, como seja o caso das taxas moderadoras na saúde. Na verdade, um
sistema público de educação ou de saúde é responsabilidade de todos, e
não um serviço a ser pago por cada cliente e acessível apenas a quem
pode custeá-lo. Só assim é possível garantir que o Estado se
responsabilize pela prestação de serviços públicos universais e de
qualidade.
As propinas são injustas socialmente, são uma taxa sobre as famílias que
têm estudantes e uma escolha errada porque contraria a própria ideia da
universalidade dos serviços públicos como responsabilidade colectiva.
Além disso, as propinas são hoje, como têm revelado diversos estudos, um
factor objectivo de exclusão dos estudantes mais pobres. De acordo com
um investigador da Universidade de Lisboa, em dez anos as propinas
afastaram um terço dos estudantes mais pobres. Como referia o Diário
Económico do dia 20 de Outubro, “o aumento de propinas levou ao
afastamento de alunos de famílias com baixos rendimentos. De 1995 a
2005, período em que foi introduzido o modelo de propinas nas
universidades, o ensino superior ficou mais elitista. Foi esta a
conclusão apresentada por Belmiro Cabrito na sua intervenção no FES
2009, conferência dedicada ao financiamento superior organizada pela
Universidade de Lisboa (UL)”. O Bloco de Esquerda defende então a
abolição das propinas como condição de frequência do ensino superior,
pois esta deve ser gratuita, um direito dos cidadãos e uma escolha
estratégica de qualificação profissional e cultural do país.
3. Fim do Segredo Bancário
O presente projecto de lei segue nesta matéria as razões apontadas por
Silva Lopes, em 26 de Junho de 2000, para rejeitar medidas insuficientes
dado que, num contexto de «cultura pouco favorável ao fisco e de
tolerância das infracções fiscais», sempre que forem adoptadas condições
limitativas do acesso à informação bancária «muito poucos seriam os
delitos fiscais que poderiam ser detectados através do acesso da
administração tributária a informações bancárias» e um sistema com
restrições «abriria possibilidades de recursos e manobras dilatórias por
parte de contribuintes não cumpridores e provocaria reacções negativas
de contribuintes cumpridores». Em contrapartida, argumenta Silva Lopes,
«se a consulta não dependesse de quaisquer condições (nomeadamente da
existência de elementos que façam supor a existência de delitos
fiscais), os contribuintes, tanto cumpridores como não cumpridores, não
teriam razões para se queixar de perseguição fiscal», dado o carácter
rotineiro e universal da verificação. Assim, «a administração fiscal
deveria estar habilitada, à semelhança do que acontece em grande parte
dos países da OCDE, a obter das instituições financeiras declarações
periódicas sobre várias categorias de dados relativos a contas de
clientes».
São essas recomendações que se seguem no presente projecto de lei.
No mesmo sentido, um anexo do Relatório sobre o Combate à Fraude e
Evasão Fiscais, de Janeiro de 2006, apresentado pelo Ministério das
Finanças e Administração Pública, elaborado pela Direcção geral dos
Impostos (p.60) apresentava as “melhores práticas” de acesso à
informação bancária nos países da OCDE:
“A legislação da maior parte dos países autoriza as autoridades fiscais a
ter acesso às informações bancárias, como excepção à regra geral que
define a confidencialidade de tais informações.”
E continua:
“As autoridades fiscais podem obter as informações bancárias de diversas
formas, uma delas passa pela declaração automática de certo tipo de
informações pelos Bancos. Em geral, exige-se a declaração relativa aos
juros pagos e o montante das retenções efectuadas. Outros países exigem
uma declaração com a relação das contas abertas e encerradas, dos saldos
das contas no fim do ano e dos juros dos empréstimos. O meio mais
importante de obtenção de informações bancárias passa pelo pedido
específico à banca de elementos bancários relativos a um determinado
contribuinte. Diversos países podem obter informações bancárias, para
fins fiscais, sem qualquer limite. Noutros países a administração
fiscal, para obter essas informações, deve utilizar um processo
específico tal como uma injunção administrativa ou a autorização de um
comissário independente.”
Assim, o presente projecto de lei propõe medidas de combate à evasão e
fraudes fiscais que se baseiam nas melhores práticas dos países da
Europa e da OCDE.
Este projecto de lei propõe um procedimento simples, eficiente, tutelado
pelo Ministro das Finanças e sob sua responsabilidade, que garante que
todos os cidadãos são sujeitos ao mesmo tipo de controlo e à mesma
obrigação de transparência e na igualdade.
O presente projecto de lei estabelece, desta forma, que as instituições
financeiras são obrigadas a prestar toda a informação relevante acerca
dos depósitos e aplicações financeiras processadas nas contas dos seus
clientes, e que essa informação seja cruzada com os dados das
declarações fiscais de pessoas e empresas.
Por isso, os proponentes deste projecto de lei defendem que tal
levantamento deve ser um método universal e igualitário de controlo das
declarações fiscais, sem qualquer discriminação e portanto em condições
de aumentar a confiança dos contribuintes em relação à administração
tributária, não tendo como alvo um qualquer sector específico da
população e, muito menos, um contribuinte em particular.
As condições em que é imposto o levantamento do segredo bancário em
Portugal
Apesar dos avanços e recuos na modernização da legislação que estabelece
o segredo bancário em Portugal, há dois casos em que está previsto o
acesso irrestrito de autoridades administrativas a informação bancária
pessoal. Trata-se dos candidatos ao Complemento de Solidariedade para
Idosos e ao Rendimento Social de Inserção: em ambos os casos, é condição
de candidatura que toda a informação bancária seja disponibilizada sem
restrições.
A razão para este procedimento é compreensível. Trata-se de assegurar a
verificabilidade das declarações de candidatura. Mas este mesmo critério
não é aplicado em nenhuma outra prestação social ou despesa pública. A
legislação mais recente retirou mesmo ao fisco a capacidade de ter
acesso à informação bancária para verificar a acessibilidade a
benefícios fiscais – possibilidade que é agora reposta por este projecto
de lei.
Ora, se a verificação dos dados da conta bancária é a mais eficiente
prova da situação social e fiscal de um contribuinte, e para tanto
exigida para combater eventuais abusos nestas prestações sociais, é
incompreensível que esse método não possa ser usado pelo fisco como
regra geral. Existe portanto uma discriminação de classe no levantamento
do segredo bancário.
O que o presente projecto de lei apresenta é uma visão democrática e não
discriminatória do combate à evasão fiscal e a outras formas de
prejuízo contra o bem público.
Por outro lado, o levantamento do segredo bancário como forma de obter a
informação relevante é o princípio que permite investigações
competentes que possam dar prioridade ao combate à corrupção e aos
crimes económicos.
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