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14-Jan-2011 |
Opinião
Texto de Carlos Vieira e Castro
A crise é um bom pretexto para cortar no luxo e no supérfluo. Para que serve a cultura?... Hoje, Goebbels, ao ouvir falar de Cultura não sacaria da pistola, mas do livro de cheques e diria: “- Queriam?! Este dinheirinho é preciso para tapar o buraco negro do BPN, para comprar submarinos e carros de combate aos anarquistas que hão-de aparecer um dia como as armas de destruição massiva do Saddam, porque não podemos fazer mais com menos artilharia, ou as agências de “rating” e os mercados pensariam que somos governados por gente sem coragem para cortar nos salários, nas pensões, nas bolsas, nos subsídios…dos pobres, dos remediados… dos ricos não, porque se não houver ricos não há riqueza para dividir… pelos ricos.
Receita para fazer Cultura sem ovos: corta-se ¼ do orçamento do ministério para a criação e produção artísticas, mistura-se o D. Maria com o S. João, o S. Carlos e a Companhia Nacional de Bailado, bate-se Opart o pessoal a recibos verdes, fritam-se os bailarinos e outros artistas de desgaste rápido, retira-se 30% à rede de museus. Entretanto, congela-se a promessa eleitoral de Sócrates de 1% do Orçamento para a Cultura e deixa-se a marinar os 0,4% (apesar de a Cultura representar 2,8% do PIB) Enfeita-se a travessa com La Féria. Serve-se frio, acompanhado com pipocas e coca cola.
Já lá vai o tempo em que Viseu era um deserto cultural e o
oásis mais perto era a ACERT. Hoje temos o Teatro Viriato, graças ao
ministro Carrilho, suportado pela Câmara (40%) e pelo Ministério da
Cultura (60%, antes de Canavilhas cortar 23% para este ano).
Mas será que não passaríamos bem sem ir ao Teatro? Há quem não morra à
fome, mas se alimente mal. Um povo só é verdadeiramente livre se for
culto. Não é por acaso que já há muito que o Conselho da Europa
considera os direitos culturais como parte integrante dos direitos
humanos.
Só para falar dos espectáculos do último trimestre a que ainda não tive
oportunidade de me referir aqui, digo-vos que teria ficado muito mais
pobre (de espírito) se tivesse perdido “Sábado 2”, a reposição da
primeira obra da Companhia Paulo Ribeiro, e a surpreendente visão da
primordial energia subversiva do coreógrafo “residente”; ou “Belonging”,
uma muito bem conseguida fusão de línguas, música e tradições
populares, pelo Teatro Regional da Serra do Montemuro e os ingleses do
Foursight Theatre. Por isso aconselho-vos a não perderem a programação
de 2011, que começa da melhor forma com “Sombras – a nossa tristeza é
uma imensa alegria” de Ricardo Pais, que podeis ver até ao próximo
Sábado, dia 15.
Temos ainda um Cine Clube, com 55 anos de existência, a prestar um
serviço público, nomeadamente junto da comunidade escolar, com
excelentes ciclos de cinema, a única alternativa de qualidade à medíocre
programação, em duplicado, das salas dos centros comerciais. E surgiram
ultimamente algumas associações como a Zunzum e a Gira Sol Azul, que
aliam a actividade cultural no campo do teatro e da música,
respectivamente, com a intervenção social na comunidade.
Não há desculpa, por isso, para os cortes nos apoios da Câmara Municipal
de Viseu às associações culturais, anunciados ao fim de um ano de
actividades, frustrando expectativas de financiamento. A compra de actos
culturais (espectáculos, exposições, concertos) é uma mera transacção,
uma aquisição de serviços, e não pode ser confundida com o normal e
necessário apoio anual às actividades das associações ou colectividades
culturais que, com a sua programação regular, prestam um serviço público
inestimável, contribuindo para a qualidade de vida das populações e
para o desenvolvimento municipal e regional. Por isso é necessário
que o município tenha uma efectiva política cultural, mais
transparente, com critérios mais claros na atribuição de apoios, menos
oscilantes e previamente definidos.
Carlos Vieira e Castro
(Pó de Palco de 13.01.2011)
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