25 de Abril - Miguel Portas - Es.Col.A INTERVENÇÃO NA A.M. EXTRAORDINÁRIA DE 25 DE ABRIL DE 2012
27-Abr-2012

Senhor Presidente da Mesa da AM, restantes elementos da mesa, senhor Presidente da CMV, senhoras vereadoras e senhores vereadores, senhores presidentes de juntas de freguesia, senhor comandante do RIV e restantes convidados, minhas senhoras e meus senhores,

Antes de mais, permitam-me que dedique esta intervenção à memória do meu camarada Miguel Portas, fundador e dirigente do BE, economista, jornalista (fundador da revista Vida Mundial e de um dos mais inovadores projectos da história da imprensa em Portugal, o semanário Já, investigador e divulgador da história dos povos ligados pelo Mediterrâneo, que faleceu ontem num Hospital de Antuérpia, vítima de cancro de pulmão, doença que não o impediu de cumprir até ao fim as suas responsabilidades de deputado europeu (tinha entre mãos o relatório do Parlamento Europeu sobre as contas do BCE). Mas evocar Miguel Portas é também honrar o seu passado de lutador anti-fascista, preso aos 15 anos, no limiar da militância comunista. A ele e a milhares de outros como ele, devemos nós hoje a liberdade.

Permitam-me ainda que partilhe convosco a emoção que experimentei ao ouvir a crónica que Miguel Portas gravou para a Antena 1, em directo da Praça Sintagma, em Atenas, para onde viajara para ver na Grécia o futuro de Portugal, armadilhado pela austeridade e pela perda de soberania, e de onde nos transmitiu este facto extraordinário, que escapara à profusão de notícias e comentários com que os “media” nos atafulham o cérebro com informação selectiva: 400 operários de uma fábrica de produção de aço mantinham-se em greve há 117 dias, em solidariedade com 65 camaradas despedidos, exigindo a sua readmissão. À pergunta do eurodeputado como aguentavam 117 dias de greve numa situação de tamanha austeridade, os operários responderam que só sobreviviam graças à comida, bens e dinheiro que lhes mandavam os seus camaradas de outras fábricas metalúrgicas, organizados em comités de solidariedade. Extraordinário, não é?!... Pois foram exemplos de solidariedade, tão extraordinários como este, que fizeram da Revolução de 25 de Abril um período único e inesquecível na vida de muitos portugueses.

Hoje, a solidariedade, neste sentido de mobilização colectiva ao serviço da comunidade, passou a ser considerada subversiva, como prova o triste e inadmissível despejo, com recurso a desproporcionada força policial, solicitada pelo autoritário presidente da Câmara do Porto, dos ocupantes da Escola da Fontinha, abandonada há seis anos, e onde, desde Abril do ano passado, funcionava um projecto sócio-cultural, com voluntários de todas as idades, embora jovens na maioria, que depois de limparem e recuperarem o edifício vandalizado, prestavam apoio a uma comunidade carenciada, jovens e idosos, com actividades lúdicas e pedagógicas, tais como ioga, xadrez, capoeira, música, laboratório de fotografia, teatro, artesanato, aulas de português, espanhol, alemão e inglês, apoio nos trabalhos de casa das crianças e preparação de refeições para muitas dezenas de adultos e crianças retiradas da rua e da fome, graças à solidariedade de mercearias e comerciantes locais.

Na comemoração de mais um aniversário do 25 de Abril, ocorre perguntar se terá de ser apenas “mais um”, como se estivéssemos aqui no cumprimento de um mero ritual em risco de extinção, poupado, por enquanto, pela transigência de um governo apostado em cortar não só direitos, salários, subsídios, pensões, férias, mas também feriados religiosos e civis, mais destes que daqueles, apesar da laica República.

Há 38 anos, o golpe militar do MFA, mais não pretendia - e já não era pouco – do que derrubar a ditadura que transformara Portugal num país atrasado, analfabeto e amordaçado, para acabar com a guerra colonial, na iminência de uma derrota que ao fim de 13 anos, provocou, só do lado português, cerca de 10 mil mortos, 15 mil deficientes físicos e calcula-se que 100 mil vítimas de stress de guerra. Mas o povo português, aproveitando o balanço e a brecha na muralha do Estado, ousou catapultar-se para uma revolução politica, social e cultural. A Revolução derrubou a ordem social estabelecida, transformou as força armadas em movimento armado revolucionário ( ilustrado nas palavras de ordem “Nem mais um só soldado para as colónias!” e “Soldados sempre, sempre ao lado do Povo!”), obrigou a Junta de Salvação Nacional a libertar todos os presos políticos, a extinguir a PIDE (Spínola já tinha nomeado um novo Director-Geral) e a consumar a descolonização ao fim de 500 anos de escravatura e colonialismo saqueador e racista.

O povo português, com o apoio dos “filhos do povo fardados”, derrotou os golpes contra-revolucionários da direita e extrema-direita spínolista a 28 de Setembro de 1974 e 11 de Março de 1975. Spínola foge para a Suíça de onde é expulso por armar e organizar os bombistas do MDLP, que espalharam terror e morte de Norte e Sul de Portugal. Mas o grande capital, que sempre vivera da protecção do Estado, assustado com as nacionalizações e a Reforma Agrária, com o apoio da CIA (foi o Imperialismo Americano que vendeu o Napalm e outras armas químicas e biológicas, testemunhadas pelo General Costa Gomes, com que a ditadura salazarista massacrou as populações africanas) e da social-democracia europeia (aliada dos EUA e da ditadura de Salazar e Caetano na NATO), cuja missão histórica era servir de tampão ao avanço das ideias socialistas (a prova é que mal o mundo passou a ser dominado por um só imperialismo, logo a maioria dos sociais-democratas se passaram com armas e bagagens para o campo do liberalismo), conseguiu armadilhar um golpe de Estado a 25 de Novembro que levaria à prisão de centenas de militares de Abril (como Mário Tomé, Otelo, Campos de Andrada) e poria fim à Revolução ao fim de uns longos 600 dias.

A partir daí foi o que se viu: a transformação paulatina de Portugal no pais com os pobres mais pobres e os ricos mais ricos da Europa. Uma “elite” política que se alterna no poder, num novo “rotativismo” gerador de corrupção, uma Justiça cega e paralítica, velhos e novos capitalistas que mamaram e desbarataram os fundos europeus em vez de os aplicarem no desenvolvimento sustentado do país.

Mas as conquistas daquele ano e meio de Revolução resistem com dificuldade aos ataques mais ferozes desde o 25 de Abril. A começar pelo programa mínimo: “A paz, o pão, /habitação/, saúde, educação”, como dizia o Sérgio Godinho na canção “Liberdade”. O pão volta a faltar, como testemunham as instituições de solidariedade social, laicas e religiosas, que já não conseguem matar a fome a tanta gente; a habitação começa a ser difícil de pagar, com as famílias, entaladas entre o desemprego e o corte de salários, subsídios e pensões, a entregar as casas aos bancos, a quem ainda ficam a dever, pasme-se!; a Educação volta a ser para os ricos, com milhares de estudantes a abandonarem o Ensino Superior (100 por dia, dizia uma reportagem televisiva); o Serviço Nacional de Saúde, uma das mais bem conseguidas conquistas de Abril, continua a ser desmantelado por este governo, como denunciou o seu “criador” António Arnault, em recente entrevista televisiva, onde reconheceu iguais responsabilidades a ministros ditos socialistas). O ministro da Solidariedade e da Segurança Social, Pedro Mota Soares, tentou pôr uma bomba ao retardador na Segurança Social, com mais uma tentativa de tecto contributivo, mas até Bagão Félix e Manuela Ferreira Leite tiveram medo dos estilhaços sociais, e o ministro recuou.

A Revolução popular alcançou outras conquistas, algumas garantidas na Constituição, como o salário mínimo nacional, descanso semanal, férias pagas, liberdade sindical, direito à greve, proibição de despedimentos sem justa causa, direito à segurança social, a igualdade dos sexos na lei, o direito ao divórcio civil para os católicos casados, a não discriminação por razões de género, de etnia, de religião, de sexo, território de origem ou orientação sexual.

A Paz. Essa não falta. Temos paz social, já que o povo é sereno e de brandos costumes. Desde que os jornalistas não se metam pelo meio, sobretudo os estrangeiros (que são mais difíceis de controlar) a policia de choque trata de meter o povo no redil, como antes de Abril. Basta identificar os jornalistas, que estão a trabalhar. Os restantes não estão a trabalhar, logo, só podem ser malandros ou suspeitos.

Quanto à paz propriamente dita, a militar, também a temos. Pelo menos dentro de casa. Mas é demasiada responsabilidade para ser deixada apenas aos militares, da mesma forma que a politica é demasiado importante para ser deixada apenas aos políticos. Daí a necessidade de todos os cidadãos intervirem mais ou menos activamente na politica. Para defenderem os seus direitos sociais e para garantir a paz. Para que os militares não se vejam obrigados pelos políticos a fazer a guerra fora de portas, como aconteceu com a invasão do Iraque, a partir da mentira armadilhada das armas de destruição massiva de Saddam, quando foram os EUA e o RU que usaram armas proibidas e de destruição massiva, como o fósforo branco, no bombardeamento de cidades como Falluja, massacrando milhares de homens, mulheres e crianças inocentes.

O Serviço Militar Obrigatório instituído pela revolução francesa como exercício de cidadania, levou os cidadãos soldados a esmagarem os seus irmãos da Comuna de Paris, primeira experiência efémera de poder exercido directamente pelo povo e a servirem de carne para canhão nas invasões napoleónicas dos outros povos da Europa. As forças armadas profissionalizadas, constituídas por voluntários, foi a alternativa à justa abolição do SMO. Mas corre-se o risco de se transformarem num exército de mercenários ao serviço de poder politico menos democrático ou de estratégias imperialistas como aconteceu com a NATO ? Nos EUA, onde em 2008, houve 140 militares no activo que se suicidaram, têm aumentado os exércitos privados de mercenários (120 mil soldados privados no Iraque) . Mais uma vez a resposta está na democracia. No controlo democrático das Forças Armadas pelos órgãos do poder representativo e da participação popular nas decisões do poder (democracia participativa).

Há ainda uma última instancia: a consciência de cada um. O direito de dizer não à injustiça e à prepotência. O dever de desobedecer. Como fez o cônsul Aristides de Sousa Mendes, beirão de Cabanas de Viriato, que salvou milhares de judeus e outros perseguidos pelos nazis, ao decidir desobedecer a ordens expressas de Salazar, que lhe instaurou um processo e o condenou à aposentação forçada e à miséria da sua numerosa família, que teve de recorrer à sopa dos pobres, em Lisboa.

Em Israel este dever de desobedecer tem feito aumentar o movimento de “refuseniks” (em hebraico “aquele que recusa”). A maioria são jovens objectores de consciência que aceitam pegar em armas para defender o seu país, mas não para cumprir o serviço militar obrigatório nos territórios ocupados em atentados aos direitos humanos dos civis palestinianos. Como têm de efectuar um período de reserva anualmente, os homens até aos 45 anos e as mulheres até aos 24 anos, são presos consecutivamente.

Talvez não estivéssemos hoje a comemorar o 25 de Abril se um soldado desconhecido, ou quase, o aspirante Sottomayor, não tivesse desobedecido ao coronel que comandava os tanques de Cavalaria 7 que no Terreiro do Paço barrava o caminho à coluna de Salgueiro Maia, retirando o percutor da peça, tornando assim inútil a ordem de disparar sobre os heróis de Abril.

O 25 de Abril também se deveu à luta de milhares de desertores e mercenários da guerra colonial que, segundo dados do Estado-Maior do Exército, divulgados em 1988, foram sendo cada vez mais ao longo da guerra, sendo de 11,6% em 1961 e de 21% em 1972. Outros cálculos apontam para quase um terço dos jovens em idade militar, que foram, correndo risco de vida ou de prisão, engrossar a corrente migratória clandestina para França, Alemanha e outros países.

Hoje, a importância de comemorar o 25 de Abril já não é tanto o lembrar a luta pelo Socialismo que todos os partidos (excepto o CDS) votaram na Assembleia Constituinte, mas mais recuperar a memória da luta colectiva pela mais ampla democracia, representativa e participativa, num país onde o governo, com as costas quentes pela Troika, ousa defender e pôr em prática a suspensão temporária da Constituição e da Democracia e insiste em reduzir o Poder Local, extinguindo ou agregando freguesias, as autarquias de maior proximidade (a que seguirão os municípios) impondo soluções à revelia da vontade dos autarcas e das populações.


\25 de Abril, Sempre! Governos da Troika nunca mais!


Carlos Vieira e Castro

(deputado municipal do Bloco de Esquerda)