O QUE É QUE O EGIPTO E A TUNÍSIA TÊM A VER COM PORTUGAL?
20-Fev-2011
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Opinião
Texto de Carlos Vieira e Castro

 

O “tunisami” da insurreição democrática e pacífica que está a alastrar pelos países árabes do Norte de África e do Médio Oriente veio desconstruir a imagem estereotipada dos povos desses países como gente atrasada, constituída maioritariamente por muçulmanos fundamentalistas, ou por eles facilmente manipuláveis, que nos tem vindo a ser pintada, nas últimas duas décadas, por dirigentes políticos ocidentais, alguns comentadores encartados na comunicação social e até por membros da hierarquia da Igreja católica. Estou a referir-me, por exemplo, às declarações do cardeal patriarca de Lisboa no início de 2009, quando, numa tertúlia, aconselhou as mulheres católicas a terem muita cautela nas relações amorosas e no casamento com muçulmanos, no que foi apoiado pelo cardeal José Saraiva Martins; o facto de se estribarem em casos reais mais facilmente os deveria levar a aconselhar o dobro do cuidado no casamento com homens católicos, já que, provavelmente, sê-lo-ão a maioria dos assassinos das 43 mulheres vítimas de violência doméstica no ano passado, em Portugal.

O papão do fundamentalismo islâmico veio substituir o papão do comunismo no discurso dos governantes ocidentais de justificação das relações imperialistas, colonialistas e neocolonialistas com os povos árabes. No entanto, a religião - como esclarece o escritor libanês Amin Maalouf, no seu livro “Origens” - apenas veio substituir o fracassado nacionalismo como elemento identitário daqueles povos. Por regra, a religião não se escolhe, nasce-se com ela, tal como a nacionalidade e a família (o tripé da nação – “Deus, Pátria, Família” - que Salazar não autorizava discutir), logo, é um forte elemento de identificação comunitária, fácil substituto da cultura. Mas foram, os países ocidentais que deram força aos fundamentalistas muçulmanos ao transformarem-nos em aliados na luta contra o comunismo, como quando financiaram os mujahedines no Afeganistão ou a ditadura de Suharto que massacrou milhões de comunistas indonésios e o povo inocente de Timor Leste.

Quem se revoltou na Tunísia foram os jovens, desempregados com formação secundária ou universitária ou com trabalhos precários, e uma classe média laicizada, que fizeram das redes sociais (na Internet) a sua principal forma de organização e comunicação. Foi a circulação pelas redes sociais de um vídeo do acto desesperado de um jovem de 26 anos, que se imolou pelo fogo, depois de lhe ter sido confiscado, por polícias corruptos, o carrinho de venda ambulante de fruta, com que fugia ao desemprego apesar do curso secundário, que despoletou a “Revolução de Jasmim”, que, após a greve geral convocada pela União Geral dos Trabalhadores Tunisinos, e de sucessivas revoltas em várias cidades violentamente reprimidas (a Federação Internacional dos Direitos Humanos fala em mais de 20 mortos, mas há quem diga que foram mais de 70), haveria de levar à fuga do ditador Ben Ali.

Também no Egipto os protestos começaram contra o desemprego e a precariedade entre os mais jovens (70% da população tem menos de 30 anos), a corrupção, o aumento desenfreado dos preços que agravou a pobreza (quase metade da população de 80 milhões vive abaixo do limiar da pobreza) e a falta de liberdade. À classe alta pertence 25% da população e destes apenas 5% dominam o círculo de poder, onde se gere a corrupção que mina o país.

A única diferença com a realidade portuguesa é que a nossa população está mais envelhecida e não temos um ditador há trinta anos, mas antes uma elite corrupta que se reparte por dois partidos que alternam (sem ofensa) no poder, “iguais como duas metades do mesmo zero” – como diria Guerra Junqueiro. Por algum motivo o PS votou ao lado do PSD (o CDS absteve-se) contra um voto de solidariedade com a luta do povo do Egipto pela democracia, apresentado pelo BE no Parlamento

O vice-presidente dos EUA, Joseph Biden disse que “não chamaria ditador a Mubarak”. Compreendo que tenha dificuldade em justificar o apoio militar que os EUA têm dado ao Egipto (1,3 mil milhões de dólares por ano, para além de 800 milhões de ajuda económica), o maior receptor, a seguir a Israel, da ajuda militar de Washington, que também tem apoiado a Tunísia, a Jordânia e a Colômbia. Tudo bons rapazes!

Também Tony Blair elogiou Mubarak como um “ grande patriota”. Não admira, já que Mubarak e Ben Ali eram membros da Internacional “Socialista” de Blair e Sócrates e só agora, depois da revolta dos seus povos, é que foram expulsos..

Quem não concorda com Blair são os egípcios que sofreram a repressão de Mubarak e Omar Suleiman (que o ditador nomeou seu vice-presidente, ex-chefe dos serviços secretos, apoiado pelos EUA – ou não fosse conhecido como agente da CIA - é tão odiado como Mubarak pelos manifestantes que já exigiram a sua demissão). Os serviços secretos não devem ser estranhos à repressão que já provocou mais de 300 mortos às mãos das milícias não uniformizadas, não só na Praça da Libertação, no Cairo, como noutras cidades e vilas do interior.

Seja qual for o desfecho da revolta no Egipto, o fim da ditadura de Mubarak representa uma vitória histórica e um exemplo para todos os povos do mundo. Ficam-nos na memória as imagens da força, da alegria e da vontade de mudança de um povo a subir para cima dos tanques grafitados com palavras de ordem como “Revolução é investimento!” ou “Mubarak vai-te embora!”, a lembrar o nosso 25 de Abril. Em Garden City, nos subúrbios do Cairo, manifestantes ofereciam laranjas aos soldados, a recordar-nos, também, a oferta aos militares de Abril dos cravos que haveriam de dar a alcunha à nossa Revolução de 1974.

Afinal, o Egipto e a Tunísia estão aqui tão perto!