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E SE LHE DESSEMOS “UMA MALHA”?... |
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24-Mai-2009 |
Prossegue hoje o julgamento de Fernando Ruas acusado pelo Ministério Público do crime de incitação à violência. Nesta segunda sessão do julgamento será ouvido o registo áudio da sessão da Assembleia Municipal de 26.06.2006, | onde Fernando Ruas instigou reiteradamente os presidentes de Junta a “correrem à pedrada” com os vigilantes da natureza do Ministério do Ambiente, na sequência da queixa do autarca de uma freguesia rural autuado por aqueles fiscais por ter colocado umas manilhas sem autorização.
Em boa verdade aquela não foi a primeira vez que
Fernando Ruas instigara os presidentes de Junta a correrem com os
fiscais do ambiente. Eu próprio, num debate durante a última campanha
autárquica, o acusei disso mesmo, cara a cara, baseado no testemunho
público, não desmentido, de um deputado municipal da oposição. A grande
diferença é que desta vez as palavras de Ruas foram captadas pela
reportagem da Rádio Noar. E o que os ouvintes desta rádio ouviram não
deixa margem para interpretações dúbias: “Corram-nos à pedrada! A
sério. Estou a medir muito bem aquilo que digo. Arranjem lá um grupo e
corram-nos à pedrada!”.
Na primeira sessão do julgamento, no passado dia 14, Ruas reafirmou
que tinha falado em sentido figurado. Mas garantiu que se fosse hoje,
teria utilizado outra expressão; por exemplo, “dêem-lhes uma malha”. E
tentou justificar este brilhante lance defensivo com a “boutade” do
ministro Santos Silva quando disse que gostava de “malhar na oposição”.
Claro que “malhar na oposição”, em abstracto, só pode ser entendido em
sentido figurado. “Malhar” tanto pode significar “bater” como “dizer
mal, censurar”. Mas “dar uma malha” a alguém em particular já é
diferente (a expressão “dar uma malha” significa “dar uma sova, ou
tareia”), embora não seja tão concreto como “correr á pedrada”. Que
pensaria Ruas se me ouvisse desafiar os viseenses a darem-lhe uma
malha? Claro que o título desta crónica é uma provocação em sentido
figurado: estou apenas a incitar os leitores a não votarem em Fernando
Ruas, dando-lhe assim uma “malha” eleitoral.
“Correr à pedrada” é uma expressão que não tem nada de alegórica, ainda
por cima quando se tem o cuidado de aconselhar fazê-lo em grupo. A
prova é que depois de Ruas a ter proferido, os vigilantes da natureza
(segundo o testemunho de Rui Nobre ao jornal Público) defrontarem-se
com situações de violência em Mortágua, Santa Comba Dão e Viseu, tendo
que recorrer, por vezes, ao apoio da GNR para cumprir a sua missão de
salvaguarda do ambiente. Estranhamente, estes funcionários não foram
ainda chamados a depor. Ainda assim, um presidente de Junta, no seu
depoimento como testemunha, terá dito que entendeu as palavras do
presidente da Câmara Municipal, como um convite para dialogarem com os
fiscais. O que levou o juiz a observar que a língua portuguesa, além de
traiçoeira, ainda tem a particularidade de ter palavras que significam
uma coisa e o seu contrário. Aliás, tal esquizofrenia linguística
parece ter alastrado por alguns louvaminheiros, como aquele jornal que
colocou na primeira página, em grandes parangonas ao lado da foto do
presidente da Câmara: “Autarcas do PS defendem Ruas”, o que já mereceu
o desmentido de Ribeiro de Carvalho, o deputado do PS que protestou
atempadamente contra “o excesso de linguagem” de Ruas, e de quem o
tal jornal disse ter “confessado” que tais excessos são habituais nas
discussões mais acaloradas da Assembleia Municipal. Naturalmente, não
se tratou de uma “confissão”, mas de uma acusação a Ruas, useiro e
vezeiro nas agressões verbais, como naquela vez que disse à deputada do
Bloco de Esquerda que “se fosse um homem, responder-lhe-ia de outra
forma”.
O autarca de Silgueiros, António Coelho, versado em linguística, disse
no tribunal que Ruas, na referida reunião da Assembleia Municipal,
utilizou “11 vezes a ironia e 18 frases feitas ou provérbios.” Está
agora explicado por que razão uma Universidade Polaca distinguiu Ruas
pelo contributo para a dinamização da Língua Portuguesa: pela exímia
arte de transformar figuras de estilo em “figuras de estalo”, ou
vice-versa.
Só falta perceber bem o motivo que presidiu à escolha de Fernando Ruas
para a atribuição de uma medalha de ouro (ou “medaille d’or” como
escreveu um jornal local) por parte da Société Académique des Arts,
Sciences et Lettres, com sede em Paris. Para além de Fernando Ruas ter
confessado a sua perplexidade inicial, não vislumbrando motivos para
tal honra, lemos num jornal que esta se deveu ao “ reconhecimento da
promoção cultural que as autarquias portuguesas têm feito”, mas num
outro já era atribuída ao “reconhecimento do trabalho desenvolvido pelo
autarca em prol do reforço do poder local”. Em que é que ficamos?...
Outra informação errada num jornal local dizia que Ruas foi o primeiro
português a receber a medalha de ouro, quando, na verdade, foi
acompanhado por José Eduardo Moniz e Zita Seabra. Só esta selecção já
diz muito sobre os critérios desta sociedade académica.
E se, para além de lhe darmos uma malha (em sentido figurado, repito;
uma malha democrática no dia das eleições), lhe déssemos outra medalha:
a “Grã Cruz da Ordem de Torre e Pedrada”?
Carlos Vieira e Castro
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