A “CORAGEM” DOS BISPOS |
13-Abr-2009 | |
Nos últimos quinze dias muito se falou da
“coragem” do bispo de Viseu. Eu próprio tive oportunidade, no debate sobre
Violência Doméstica organizado pela Assembleia Municipal de Viseu, no dia 30 de
Março, de saudar o bispo Ilídio Leandro pelo “passo em frente” que representou
a sua demarcação da posição do Papa Bento XVI , ao afirmar que o uso do
preservativo, por parte de uma pessoa infectada pelo vírus da SIDA, “não
somente é aconselhável como poderá ser eticamente obrigatório”. Ora, para
proferir tal afirmação não é preciso ser corajoso (o falecido bispo António
Monteiro já dissera algo semelhante), mas apenas possuir um mínimo de
humanidade, bondade e sensatez. E o bispo de Viseu já demonstrou, no passado, que
merece o nosso respeito. Esteve ao lado dos ex-trabalhadores da ENU dando razão
às suas reivindicações; num debate sobre o referendo do aborto afirmou que se
estivesse apenas em causa a mulher não ser penalizada votaria a favor da
despenalização (por acaso era precisamente isso que estava em causa, pelo que o
povo português votou maioritariamente a favor); e, no debate sobre Violência
Doméstica, voltou a surpreender ao defender o divórcio em casos de violência conjugal
ou sempre que “o casal não consegue viver no amor”, nem recomeçar uma
experiência falhada.
Henrique
de Barros, coordenador nacional para a infecção VIH/ SIDA, criticou o Papa por
desprezar a “evidência científica de o preservativo ser a única solução eficaz
para a prevenção da SIDA”, uma vez que “a abstinência sexual não é humanamente
aceitável”, dando Portugal como exemplo, com menos um milhar de novos casos de
SIDA, em 2008, graças à distribuição gratuita de um milhão de preservativos
pelo Ministério da Saúde.
Também
Jorge Torgal, médico e professor catedrático, director do Instituto de Higiene
e Medicina Tropical, acusa Bento XVI de estar ao lado dos que “não defendem a
vida” e de contrariar as posições
oficiais da Organização Mundial de Saúde (OMS) e das agências das Nações Unidas
que num documento divulgado a 19 de
Março, afirmam que “o preservativo é um elemento crucial numa estratégia
integrada, efectiva e sustentável na prevenção e tratamento do VIH”.
No
entanto, basta sintonizar a Rádio Renascença para se ouvir padres, bispos e
leigos a defender as posições do Papa e as virtudes da abstinência e da
fidelidade como alternativas ao preservativo. No Uganda, onde fundamentalistas
católicos e evangélicos mais têm pregado esta teoria, o combate à SIDA está
desde há dois anos a sofrer um retrocesso.
Já
em 2003 a OMS condenou o Vaticano por haver cardeais, bispos e padres a dar
informações falsas sobre a “ineficácia” do preservativo, pondo vidas em perigo.
Lamentavelmente,
houve jornais locais e nacionais que ao citarem a minha interpelação ao bispo
Ilídio Leandro, durante o debate sobre Violência Doméstica, truncaram o cerne
da questão que ali coloquei e que tinha a ver mais directamente com o tema. É
que o preservativo não é só um método de prevenção de doenças sexualmente
transmissíveis, mas também um método contraceptivo e de planeamento familiar. E
o bispo de Viseu ao defender o seu uso apenas quando um dos parceiros está
infectado, (ainda por cima, no país europeu, a seguir ao Reino Unido,
com maior taxa de gravidez na adolescência), está a incorrer no mesmo
ataque do Vaticano a um dos direitos consagrados na Conferência Mundial das
Nações Unidas sobre Direitos das Mulheres, em 1995: “Os direitos humanos das
mulheres incluem o direito de controlar os aspectos relacionados com a sua
sexualidade, incluindo a saúde sexual e reprodutiva”.
Em
1999, a Comissão para a Igualdade e Direitos das Mulheres (nome primitivo da
comissão agora presidida por Elza Pais, oradora no debate, juntamente com o
bispo de Viseu), publicou a versão portuguesa da Carta dos Direitos Sexuais e
Reprodutivos que no seu ponto 6 diz: “Todas as pessoas têm o direito de estar
livres de interpretações restritas de textos religiosos, crenças, filosofias ou
costumes, como forma de limitar a liberdade de pensamento em matérias de
cuidados de saúde sexual e reprodutiva e outros”.
Razão
tem o padre Feytor Pinto, responsável da Pastoral da Saúde, quando disse, há
cerca de um mês, que “há vozes
retrógradas na igreja sobre sexualidade” e defendeu a educação sexual dos
pais para poderem ser educadores e confiarem no papel da escola neste campo,
lamentando que ainda haja padres e bispos que têm medo de encarar este
problema. Note-se que há 40 anos Paulo VI criou uma comissão para estudar a
contracepção, tendo a maioria sido favorável aos métodos artificiais, mas a
cúria romana acabaria por só autorizar os métodos naturais, mais falíveis do
que o Papa. Depois queixam-se de apenas terem metade das paróquias da Região Centro com padre residente... |