SEM VIAS ALTERNATIVAS NÃO PAGAMOS PORTAGENS, NEM COM DESCONTOS!
11-Jul-2010
   Opinião
Texto de Carlos Vieira e Castro

scut-nao.jpgA votação, na passada sexta-feira, da apreciação parlamentar do decreto-lei que cria as portagens, pedida pelo PCP e pelo BE, mostrou que PS e PSD estão a tocar a quatro mãos, num piano desafinado, com o apoio do CDS, orgulhosamente sentado ao seu lado a virar-lhes as pautas rasuradas. De facto, com as abstenções do PSD e do CDS, bastou os votos contra do PS para derrotar a pretensão dos partidos da esquerda, que são os únicos a defender as justas reivindicações das populações que estão contra o pagamento de portagens nas SCUTs que não têm vias alternativas, como é o caso da A25 e da A24 que servem a nossa região. 
    Passos e Sócrates, farinha do mesmo saco, escoram-se mutuamente. Passos dá uma mãozinha ao governo para que não caia cedo de mais (já que a crise veio para ficar) e tenha que ser o PSD a fazer o papel de mau da fita, e Sócrates retribui deixando que o líder laranja pareça o vice-primeiro ministro.   
Mas, o PSD fica muito mal no retrato. O governo, depois da trapalhada das isenções em 46 concelhos, cedeu às propostas do PSD, que acordou com o PS negociações no sentido de cobrar portagens em todas as SCUTs, limitando-se a isentar as populações e empresas locais nas primeiras dez passagens e a fazer descontos de 15 por cento a partir daí, mas apenas até 1 de Julho de 2012, e só nos concelhos que fiquem a menos de 20 km das auto-estradas. A partir de 2012, os descontos só são aplicados nos concelhos com um PIB de 80%, no máximo, da média nacional.
    Trata-se de um verdadeiro imposto encapotado. Daí que já haja autarcas e deputados de ambos os partidos do bloco central a distanciarem-se das respectivas direcções partidárias.
    A Assembleia Municipal de Vila Real aprovou uma moção contra o pagamento de portagens na A24, com votos de todos os partidos, PS, PSD, CDS, BE e CDU, e 20 votos contra, incluindo o do presidente da AM, Pedro Passos Coelho, que se justificou por ser contra as isenções para residentes,  só admitindo o “pagamento diferenciado”, ou seja, com descontos.
    Também os dirigentes locais do PSD, de Almeida Henriques a Fernando Ruas, dizem que todos devem pagar portagens, defendendo antes uma “discriminação positiva” para as populações e empresas locais nas SCUTs cujos traçados, como é o caso da A25 e da A24, se sobrepuseram aos IPs. Note-se que a A25 é a SCUT que tem mais quilómetros  sobrepostos à via que substituiu,  o IP5.
    Agora, porém, ficamos todos a saber que a “discriminação positiva” defendida pelo PSD quer dizer descontos. Mas, com descontos ou sem descontos, o resultado é tudo menos positivo. Além de negativo é discriminatório. Porque, ao privarem as populações do seu direito à livre mobilidade, estão a condenar a região ao subdesenvolvimento. As portagens, ainda que com descontos, serão sempre um desincentivo à circulação de pessoas e mercadorias pelas regiões mais desertificadas do interior. A economia da região irá ressentir-se, não só pelo aumento dos preços dos transportes, como dos custos de produção, que irão onerar os preços ao consumidor.
    O PSD utilizou um truque, uma manobra de prestidigitação, ao adaptar o princípio do “poluidor-pagador”, aplicável a quem comete um crime contra o ambiente, ao que chamou “o princípio do utilizador-pagador”. Este “princípio” deriva da ideologia neoliberal que levou o mundo à actual crise financeira e social e mais não pretende do que acabar com o Estado Social, ou seja, com a universalidade dos serviços sociais, garantidos a todos os cidadãos pelo dinheiro dos impostos. A justiça social começa por aí, pela cobrança de impostos de acordo com a riqueza de cada um. Mas, o que os neoliberais querem é que continue a fuga aos impostos (por isso não querem acabar com os “off-shore”) e que só quem utilize os serviços públicos (hospitais, escolas, lares de idosos) é que pague esses serviços. O resultado seria a descapitalização dos serviços públicos, já que os ricos seriam, na sua maioria, tratados nos hospitais privados e mandariam os filhos estudar nas escolas privadas (embora, por vezes, prefiram a superior qualidade das públicas). O truque passa pela transposição da criminalização do poluidor para o utilizador. Mas o único crime, aqui, é cobrar dinheiro pelo direito à livre circulação dos cidadãos.
    Não pagamos! Sem vias alternativas, não pagamos!