PARA ACABAR COM OS ASSASSÍNIOS DE TODAS AS JOANAS DE PORTUGAL E DO MUNDO
07-Set-2010

Opinião
Texto de Carlos Vieira e Castro

vieira_joanas_recorte.jpgO que é que leva um jovem com 22 anos, estudante de Engenharia do Ambiente no Instituto Politécnico de Viseu, a matar a namorada esfacelando-lhe o crânio com uma marreta? Ciúme, é a suspeita mais vulgar. “Doença do foro psiquiátrico” é a explicação que a defesa normalmente apresenta em tribunal. Segundo a jornalista do “Público”, que teve acesso ao processo, a defesa de David Saldanha, o assassino de Joana Fulgêncio, apresenta uma “cronologia com várias idas a psicólogos e psiquiatras, desde a adolescência. E diferentes diagnósticos; transtorno depressivo recorrente; dificuldade em lidar com situações de dano, ameaça ou desafio; esquizofrenia.”
 

A provar-se doença mental, a pena máxima que a mãe e as amigas da Joana reclamam (em cartazes e postais espalhados pela cidade), da Juíza que hoje mesmo começa a julgar David, pode não ser a sentença do Tribunal de Viseu, que poderá considerar diminuição da imputabilidade ou mesmo inimputabilidade. No entanto, o Ministério Público acusa David Saldanha de “homicídio qualificado”, já que teria agido de forma consciente e premeditada. Isso, agravado com o crime de ocultação de cadáver (atirou o carro para a barragem de Fagilde, pode dar origem a uma pena de 16 a 25 anos de prisão.
Das reportagens publicadas nos jornais ficámos a saber que Joana, que tinha 20 anos em 17 de Novembro do ano passado, quando foi brutal e cobardemente assassinada, tinha uma paixão obsessiva por David, que já não corresponderia com o mesmo entusiasmo ao fim de cinco anos de namoro. No entanto, aparentemente, David considerava-a já sua “propriedade” e queria continuar a controlar a sua vida, a maneira de vestir e os próprios amigos. Quando Joana ameaçou acabar o namoro, David terá pensado como muitos dos assassinos de mulheres: “Se não fores minha, não serás de mais ninguém!” Há quem lhe chame “crime de honra”.
Reparem na rapariga da foto ao lado do da bela Joana. Chama-se Aisha, tem 18 anos, e apesar do nariz mutilado, vê-se que é igualmente bela. Aisha teve o azar de nascer no Afeganistão, país atrasado, com tradições primitivas. O seu pai entregou-a a um taliban quando ela tinha dez anos, juntamente com a sua irmã mais nova, para pagar uma “dívida de sangue” de um tio. Teve uma vida de escrava, dormia com o gado e era espancada. Por ter ousado fugir, foi presa. Por ter envergonhado o marido, fazendo-o “perder o nariz” (expressão usada na cultura “pashtun”), este cortou-lhe o nariz e as orelhas (talvez para não voltar a ouvir o apelo da liberdade e/ou do amor).
No Irão, na Nigéria e noutros países muçulmanos há mulheres que são condenadas à morte por apedrejamento, pela simples suspeita de adultério ou por terem engravidado fora do casamento, mesmo que estejam divorciadas.
Noutros países do Médio Oriente, mas, sobretudo, em África, todos os anos, cerca de 2 milhões de meninas e raparigas são vítimas de mutilação genital feminina, ficando incapacitadas de experimentar, para o resto da vida, o prazer sexual, através da remoção total ou parcial do clítoris e da excisão.
Os homens sempre deitaram mão das leis civis e religiosas para imporem e manterem a dominação sobre as mulheres. Não é por acaso que o Vaticano publicou no passado dia 14 de Julho as Novas Normas sobre os Delitos Mais Graves, segundo as quais uma mulher que seja ordenada no sacerdócio será automaticamente excomungada, o que poderá não acontecer a um padre que cometa o crime de pedofilia.
Por outro lado, a hierarquia católica, ao continuar a penalizar os divorciados e a defender o casamento “até que a morte vos separe”, está a legitimar o sentimento de propriedade privada com que muitos homens justificam os maus tratos e até a morte das mulheres – “se não fores minha, não serás de mais ninguém”. Há excepções como a do Bispo de Viseu, Ilídio Leandro, que considera que um casamento é nulo quando deixar de existir amor ou houver violência na relação.
Este ano já foram assassinadas pelos maridos, namorados ou ex-companheiros, 13 mulheres, só até 30 de Julho. Apesar da violência doméstica passar a constituir crime público desde 2000, e aumentarem as queixas, só estão 59 homens a cumprir pena de prisão, sendo que destes só 8 entre seis e nove anos e apenas 4 cumprem penas entre os
os quinze e os vinte anos de prisão, por homicídio.
Em Espanha há juízes e tribunais especializados e os agressores ficam sempre presos preventivamente, independentemente da gravidade da agressão. Um tribunal da Finlândia condenou um homem a uma multa de 3.000 euros por ter chamado “vaca” e outros impropérios à ex-mulher. Em Portugal, os juízes apenas decidiram usar 9 das 50 pulseiras electrónicas recentemente disponíveis para impedir que os agressores se aproximem das vítimas.
Um estudo da Universidade do Minho concluiu que a violência no namoro entre jovens, dos 15 aos 25 anos, atinge níveis tão preocupantes como os dos adultos. O caso, ocorrido em Novembro do ano passado, de uma jovem estudante morta à facada pelo ex-namorado, em Castelo Branco, ambos a fazer doutoramento, e o de outra jovem degolada pelo ex-namorado, ambos estudantes de Engenharia Civil, em Coimbra, mostram que o problema não é de falta de instrução, mas de falta de Educação. Educação Cívica (igualdade, liberdade, fraternidade), Educação Sexual (afectos, conhecimento, respeito), Educação Parental (respeitar as orientações sexuais dos filhos, para não criarem seres paranóicos, doentes mentais aparentados aos esquizofrénicos, com delírios de perseguição e ciúme, mas lúcidos e conscientes, que Freud atribuiu ao recalcamento de tendências homossexuais, levando a libido, impedida de se satisfazer no objecto exterior, a voltar-se para o próprio EU, tornando-se narcísica, e provocando a transformação da angústia/ frustração em ódio).
  Os pais, os professores, os juízes, os técnicos do Estado (assistentes sociais, mediadores culturais, policias, etc.) não podem continuar a reproduzir as relações de dominação patriarcais. A violência doméstica é uma vergonha nacional. É urgente exigirmos mais justiça, mais prevenção, mas contribuirmos também para o esforço colectivo para a mudança de mentalidades.
 
Texto e imagem por Carlos Vieira e Castro no Jornal Via Rápida