“OS DONOS DE PORTUGAL” E OS SEUS LACAIOS |
06-Dez-2010 | |
Opinião
Na passada quinta-feira, foi a votos na Assembleia da República o projecto-lei do PCP sobre a tributação da antecipação dos dividendos em 21, 5%, a taxa prevista no Orçamento de Estado para 2011, a que algumas grandes empresas, como a PT, a Portucel e a Jerónimo Martins pretenderam fugir, antecipando para este ano a distribuição das mais-valias mobiliárias resultantes de operações bolsistas, que no caso da PT, com a venda da brasileira VIVO à espanhola Telefónica, lhe permitirá não pagar cerca de 1.100 milhões de euros de imposto. Face à intenção manifestada por alguns deputados do PS de votar a favor, o líder parlamentar, Francisco Assis, ameaçou demitir-se se não fosse respeitada a disciplina de voto. Ainda assim, Defensor de Moura votou a favor, os independentes Miguel Vale de Almeida e João Galamba abstiveram-se e, dos que votaram a favor, 13 apresentaram declaração de voto. Eis um extracto significativo da declaração de voto de António José Seguro: “Desistir da tributação de um imposto extraordinário sobre os dividendos antecipados é contribuir para aumentar as desigualdades sociais, num país que, já por si, apresenta um enorme fosso entre os mais ricos e os mais pobres. O que ficou decidido não corresponde à matriz do PS”.
As bancadas do PSD e do CDS votaram ao lado do governo, com dois deputados do PSD a apresentarem declarações de voto, para acalmar consciências.
Dado que a matriz da direita é estar ao lado dos mais
ricos e poderosos, também não me surpreendeu que PSD e CDS se tenham
juntado ao PS de Sócrates e Assis para chumbar o projecto-lei do Bloco
de Esquerda sobre a tributação, à taxa de 21,5%, das mais valias
bolsistas aplicável a entidades colectivas em sede de IRC e da
eliminação de benefícios fiscais dos Fundos de Investimento Mobiliário,
das Sociedades Gestoras de Participações Sociais e das sociedades e
investidores de Capital de Risco, assim como das entidades e pessoas
singulares não-residentes. A proposta do Bloco, recuperando uma
recomendação da Direcção Geral de Contribuições e Impostos de 1990,
introduzia o conceito de “direcção efectiva em território português”,
para prevenir que qualquer empresa financeira mudasse a sede para outro
país para fugir ao fisco, ainda que o essencial da sua actividade se
desenvolvesse em Portugal.
Já vai sendo tempo de os eleitores e, em particular os do distrito de Viseu, fazerem contas à utilidade de eleger deputados como os que no Parlamento se comportam como lacaios do poder económico. A propósito, teve lugar na Livraria Bertrand, no Palácio de Gelo, em Viseu, no dia 27 de Novembro, a apresentação do livro “Os donos de Portugal – Cem anos de poder económico (1910-2010)”, escrito por Jorge Costa, Luís Fazenda, Cecília Honório, Francisco Louçã e Fernando Rosas. Foi este último, professor catedrático e estudioso da História de Portugal no século XX, que no mês passado se fez substituir por Jorge Costa, no grupo parlamentar do Bloco de Esquerda, para se dedicar em exclusivo à vida académica, que veio fazer a apresentação do livro. O poder político, diz o historiador, tem sido dominado, nos últimos cem anos, por grandes grupos económico-financeiros, propriedade de famílias que se cruzam pelo matrimónio ou por cruzamentos de capital, e esta interpenetração das famílias faz com que, na prática, o poder económico esteja nas mãos de um mesmo clã. As famílias Mello, Ulrich, Espírito Santo, Roquette, Pinto Basto, Champalimaud, Burnay, Van Zeller, e outros, foram casando-se entre elas e, acumulando capital e riquezas e beneficiando da protecção e das rendas do Estado, chegaram ao domínio de um terço do produto do país, aumentando as desigualdades entre ricos e pobres até ao escândalo actual. É esta grande família, ou clã, que domina o poder político e assegura a sacrossanta estabilidade, isto é, a desigualdade social, com o neo-rotativismo entre PS e PSD, com o CDS aliando-se ora a um, ora a outro, na babugem do poder. Para aumentar a ilusão de democracia e assegurar a fidelidade canina dos partidos do “arco do poder”, a “família” permite a ascensão social dos “boys” e “girls” que dêem boas provas nas “jotas” e respectivos partidos; esses terão direito ao seu torrão de açúcar e poderão chegar às administrações das empresas do clã. Significativo é o facto, revelado no livro, de 1 em cada 5 dos ministros e dos secretários de Estado que tomaram todas as decisões sobre economia em 30 anos, ter passado pelo BCP e 1 em cada 10 pelo BES. O livro “Os donos de Portugal” será uma boa prenda de Natal para quem tenha interesse em compreender o que torna esta crise, europeia e global, tão peculiar no nosso país, onde 12% da população activa, ou seja, mais de 500 mil trabalhadores estão em risco de pobreza; um quarto dos menores de 18 anos já está mesmo em situação de pobreza; e se o total dos pobres não ultrapassa os 20% da população é porque cerca de metade dos 600 mil desempregados ainda recebe subsídio de desemprego, o Rendimento Social de Inserção e outras transferências sociais do Estado, que, não sendo “airbags” seguros e suficientes, servem de lenitivo para a fome e a miséria crescentes. É tempo de exigirmos mais justiça social e fiscal para que não sejam só os pobres a pagar a crise. Carlos Vieira e Castro |